O direito ao acesso à informação individual de saúde
O acesso à informação individual de saúde é um direito que assiste ao Cidadão utente de quaisquer serviços e/ou sistemas de saúde. Assegurado no ordenamento jurídico português, o acesso à informação de saúde tem relação directa com determinados direitos dos Cidadãos, no âmbito da saúde individual, como são exemplo:
- o direito à informação sobre a situação clínica individual, as alternativas possíveis e a evolução do estado de saúde;
- o direito a obter uma segunda opinião médica;
- o direito ao consentimento livre e esclarecido.
O exercício destes três direitos, que se crêem fundamentais, pode estar dependente do acesso à informação individual de saúde.
É consensual que muitos Cidadãos se deparam com dificuldades no acesso à informação clínica individual, designadamente aquela que está em posse de entidades como Hospitais e Seguradoras.
Esta realidade poder-se-á dever ao facto de algumas entidades sonegarem informação ou facultarem informação clínica individual escassa, incompleta, pouco objectiva, omissa ou ambígua. A utilização de estratégias dissuasoras limitativas do acesso à informação individual de saúde pode ser altamente penalizadora, com consequências para a saúde dos Cidadãos.
A assimetria da informação e do conhecimento e a capacidade financeira e de influência entre as entidades envolvidas, nestes processos, é muitas vezes uma arma eficiente para evitar o acesso a informação “preciosa”. Cabe, portanto, às partes envolvidas utilizar os argumentos, os instrumentos e as estratégias que melhor sirvam os seus objectivos.
A invocação de legislação, conjugada com argumentação técnica e o recurso a entidades competentes e independentes tem representado um auxílio significativo no acesso à informação individual de saúde.
Conhecer algumas normas e alguns diplomas legais acerca desta matéria tem-se revelado particularmente útil para os Cidadãos menos informados ou menos esclarecidos.
A síntese que se segue, tem por base várias interpretações legais, porventura, unanimes sobre as matérias em apreço e pode representar um auxílio para qualquer Cidadão.
Aos Cidadãos sinistrados de acidentes, cuja informação individual de saúde esteja em posse de Companhias de Seguros, convirá saber que o artigo 36.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, sobre a Informação clínica ao sinistrado, estabelece que “O sinistrado tem direito a receber, em qualquer momento, a seu requerimento, cópia de todos os documentos respeitantes ao seu processo, designadamente o boletim de alta e os exames complementares de diagnóstico em poder da seguradora.”.
Para os Cidadãos, em geral, utentes de quaisquer serviços e sistemas de saúde, cuja informação individual de saúde esteja em posse de Unidades Hospitalares, em geral, importará conhecer a Lei sobre a informação genética pessoal e informação de saúde (Lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro), a Lei de Protecção de Dados Pessoais (Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro - LPDP) e a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto - LADA) as quais, analisadas e interpretadas conjugadamente, permitem concluir que:
- A informação individual de saúde inclui dados clínicos, resultados de análises, e outros exames subsidiários, intervenções e diagnósticos que deverão estar registados no “processo clínico”, assim como relatórios médicos.
- O “processo clínico” é propriedade exclusiva do Cidadão, embora incumba aos Prestadores de Cuidados de Saúde, independentemente da sua natureza jurídica, guardá-lo, actualizá-lo, preservá-lo e conservá-lo em arquivo.
- Os Cidadãos, utentes de quaisquer serviços e sistemas de saúde têm direito a tomar conhecimento de todo o seu “processo clínico”, bem como o direito à protecção da confidencialidade da informação nele existente.
- Os Cidadãos, utentes de quaisquer serviços e sistemas de saúde, têm o direito de acesso à informação e/ou dados de saúde registados no seu “processo clínico”, sendo que:
a) Nos Prestadores de Cuidados de Saúde de natureza privada o acesso à informação de saúde, pelo Cidadão ou por terceiro, pode depender da intermediação de um Médico.
b) Nos Prestadores de Cuidados de Saúde de natureza pública ou semi-pública (Ex. Hospitais EPE) o acesso à informação de saúde é efectuado directamente, sem necessidade de invocação de qualquer interesse ou de existência de qualquer intermediação.
No que respeita a informação individual de saúde, em posse de Unidades Hospitalares de natureza pública e/ou semi-pública importará saber, ainda, que, perante a falta de resposta, indeferimento ou outra decisão limitadora do acesso à informação requerida, qualquer Cidadão, pode, após 10 dias a contar da data do requerimento, apresentar queixa formal à CADA - Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, a qual, nos termos da LADA, emitirá o seu Parecer sobre cada situação apresentada. Recorde-se que de acordo com o artigo 7.º da LADA, a comunicação de dados de saúde é feita por intermédio de Médico, apenas no caso de o requerente o solicitar.
A CADA não tem competência para emitir parecer sobre acesso à informação individual de saúde, em posse de Unidades Hospitalares de natureza privada.
Perante a falta de resposta, indeferimento ou outra decisão limitadora do acesso à informação requerida a Unidades Hospitalares de natureza privada, o Cidadão, poderá apresentar queixa formal à Entidade Reguladora da Saúde (ERS) e/ou ao Provedor de Justiça e/ou à Ordem dos Médicos.
Acresce que, se no passado, a eventual intermediação de Médico podia representar um condicionalismo para o próprio Cidadão conseguir obter informação individual de saúde, actualmente, tal situação é facilmente ultrapassada pois há entidades independentes que se disponibilizam para a receber, com garantia de confidencialidade dos dados, através dos “seus” Médicos.
Conclui-se que do direito ao acesso à informação individual de saúde pode estar dependente o cabal exercício de outros direitos fundamentais no âmbito da saúde individual, como o direito à segunda opinião médica / segunda perícia médico-legal do qual podem depender vários outros direitos abrangidos pelo Artigo 64.º da Constituição Portuguesa, cujo n.º 1 estabelece que “Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.”.
Nota: Os Pareceres da CADA são publicados no portal institucional www.cada.pt.
* artigo escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico.
Texto da autoria de Pedro Meira e Cruz, Director na Best Medical Opinion - Pareceres Médicos & Perícias Médicas
Artigo publicado em 2013 na revista jurídica Advocatus
Link original: http://www.advocatus.pt/opinião/7570-o-direito-ao-acesso-à-informação-individual-de-saúde.html
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