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UMA INSTITUIÇÃO INDEPENDENTE AO SERVIÇO DOS CIDADÃOS E DA JUSTIÇA, NA SAÚDE E NA DOENÇA
"Se percebermos que a vida realmente tem um sentido, percebemos também que
somos úteis uns aos outros. Ser um Ser Humano é trabalhar por algo além de si mesmo."
Texto de Viktor Frankl in "O Homem em Busca de Um Sentido"
Pedro Meira e Cruz
Director
Na sequência da publicação do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 5/2025, no Diário da República, 1.ª Série, n.º 106, de 3 de Junho de 2025, o Director da Best Medical Opinion decidiu redigir uma nota dirigida ao público em geral, entretanto também veiculada em órgãos de comunicação social em formato de artigo de opinião.
Link de acesso ao Acórdão: https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-administrativo/5-2025-920339819
Link de acesso à página do Instituto Português de Processo Civil: https://blogippc.blogspot.com/2025/06/jurisprudencia-uniformizada-74.html
Excerto da nota da Direcção da Best Medical Opinion:
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Boa tarde.
A complexidade da prestação de cuidados de saúde é uma realidade inegável. Num contexto onde a vida humana está em jogo, a ocorrência de desfechos indesejados ou de falhas é, infelizmente, uma possibilidade. No entanto, a forma como a sociedade e, em particular, o sistema de justiça lidam com estas situações é determinante para a confiança nos Médicos e outros Profissionais de Saúde, e nas instituições, bem como para a justa reparação dos lesados. É neste cenário que o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 5/2025, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 106, de 3 de Junho de 2025, em anexo, assume uma relevância ímpar, estabelecendo um marco importantíssimo.
Este acórdão - Acórdão Uniformizador de Jurisprudência - não é apenas mais uma decisão judicial. Configura uma orientação jurisprudencial.
A principal conclusão do acórdão reitera e clarifica os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual. O Supremo Tribunal Administrativo é taxativo ao afirmar que incumbe ao autor (o lesado) alegar e provar todos os pressupostos: o facto (a acção ou omissão), a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Exige prova robusta, prevenindo litígios infundados e direccionando os esforços para a demonstração objectiva dos elementos constitutivos da responsabilidade.
Um dos pontos mais relevantes do acórdão reside na sua abordagem ao conceito de ilicitude. O STA clarifica que a ilicitude, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Entidades Públicas, não se limita à mera violação de normas legais. Abrange, e isto é fundamental no contexto médico, o incumprimento de regras técnicas ou deveres objectivos de cuidado. Em casos de “Erro Médico”, a ilicitude decorre da inobservância das leges artis – ou seja, das regras da boa prática médica, que devem ser avaliadas de acordo com o estado da ciência médica no momento dos actos praticados. O acórdão sublinha que a obrigação do médico é de meios (aplicar os conhecimentos e a diligência esperados), e não de resultado (garantir a cura ou um desfecho específico). A simples ocorrência de uma lesão não configura, por si só, uma actuação ilícita, a menos que se comprove a violação das regras técnicas ou do dever de cuidado.
Adicionalmente, e com um impacto significativo, o acórdão destaca que o regime jurídico nacional de responsabilidade médica, sem abandonar o princípio da culpa, alarga o conceito de ilicitude aos deveres de cuidado e, especificamente no campo da saúde, aos deveres de informação, de esclarecimento e de registo da informação médica. Esta ampliação é crucial: mesmo que uma intervenção técnica seja considerada impecável, a falha em informar adequadamente o paciente sobre os riscos e benefícios, em esclarecer as suas dúvidas ou em documentar devidamente o processo clínico, pode configurar ilicitude e, consequentemente, gerar responsabilidade.
Este acórdão tem um impacto profundo e multifacetado:
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Maior Segurança Jurídica e Previsibilidade: Ao uniformizar a jurisprudência, o acórdão reduz a incerteza nos processos judiciais. Tanto os lesados como os profissionais e instituições de saúde terão uma compreensão mais clara dos requisitos para o sucesso ou insucesso de uma acção, contribuindo para uma maior previsibilidade nas decisões judiciais.
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Foco na Prova Qualificada: Reforça a necessidade de os lesados apresentarem provas robustas e tecnicamente fundamentadas que demonstrem a inobservância das leges artis ou a violação dos deveres de cuidado, e que estabeleçam um nexo causal claro com o dano. Isso incentiva o recurso a peritagens médico-legais sólidas e imparciais.
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Valorização da Qualidade na Prestação de Cuidados: Ao enfatizar os deveres de informação, esclarecimento e registo da informação médica, o acórdão estimula os profissionais de saúde e as instituições do SNS a uma maior diligência na comunicação com os pacientes e na documentação clínica. Uma comunicação transparente e um registo rigoroso tornam-se ferramentas essenciais para a defesa em tribunal.
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Promoção de uma Cultura de Transparência: A ênfase nos deveres de informação e esclarecimento pode levar a uma melhoria na relação médico-paciente, promovendo um processo de consentimento informado mais consciente e participado.
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Desmistificação da Responsabilidade Objectiva: O acórdão reafirma que a responsabilidade médica em Portugal continua a ser baseada na culpa, desmistificando a ideia de que a mera ocorrência de um dano implica automaticamente um erro ou negligência que acarrete responsabilidade. É preciso provar a culpa do agente.
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O Papel Crucial da Avaliação Técnica Especializada: Face a este quadro, a intervenção de equipas de peritos independentes, focadas no esclarecimento das complexidades clínicas e na análise dos elementos técnicos, torna-se ainda mais imperativa. A sua capacidade de determinar se houve inobservância das boas práticas, falha nos deveres de cuidado ou se o desfecho era inevitável, é fundamental para o sucesso e a justiça dos processos judiciais.
Em conclusão, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 5/2025 do Supremo Tribunal Administrativo é um pilar de clareza no âmbito da responsabilidade médica. Ao orientar as futuras decisões judiciais e ao clarificar os requisitos da prova, este acórdão não só contribui para uma justiça mais eficaz e previsível, como também incentiva uma prestação de cuidados de saúde mais diligente, transparente e em linha com as melhores práticas, reforçando a confiança da sociedade no Sistema de Saúde e no Sistema de Justiça.
Com os melhores cumprimentos,
Pedro Meira e Cruz
Director
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